Bullying e suas consequências: impactos no cérebro, na psique e na construção social do sujeito
- Pedro Ivo
- 7 de ago.
- 5 min de leitura
Introdução: por que compreender o bullying e suas consequências exige um olhar técnico e multidisciplinar
O fenômeno do bullying ultrapassa o senso comum e exige uma compreensão técnica, interdisciplinar e baseada em evidências. Apesar de sua aparência banalizada em ambientes escolares ou virtuais, o bullying representa uma forma grave de violência crônica, muitas vezes naturalizada em contextos institucionais e familiares. Suas consequências não se limitam ao momento da agressão. Elas produzem efeitos duradouros, modulam o funcionamento cerebral, alteram o desenvolvimento emocional, interferem na aprendizagem e repercutem negativamente na vida adulta, tanto no plano subjetivo quanto no relacional.
Sob a ótica das neurociências, o bullying e suas consequências configuram um quadro complexo de disfunções comportamentais, emocionais e sociais que exigem resposta clínica e institucional coordenada. Este texto explora as múltiplas camadas desse fenômeno, seus mecanismos de impacto e caminhos possíveis de prevenção e reparação.

O que caracteriza o bullying? Dimensões comportamentais, relacionais e institucionais
Elementos essenciais que definem o bullying
De acordo com os principais referenciais da psicologia do desenvolvimento, o bullying é definido pela presença simultânea de três elementos:
Intencionalidade – a agressão é deliberada e visa ferir ou humilhar.
Repetição – os atos ocorrem de forma contínua ou sistemática.
Desequilíbrio de poder – a vítima encontra-se em posição de vulnerabilidade, real ou simbólica, frente ao agressor.
Essas características distinguem o bullying de conflitos isolados e apontam para uma estrutura de violência persistente, que se perpetua em diferentes ambientes: escolas, redes sociais, grupos familiares e até espaços profissionais.
Modalidades do bullying
Além do bullying físico (empurrões, socos, agressões diretas), é essencial reconhecer outras formas igualmente danosas:
Bullying verbal: ofensas, xingamentos, apelidos pejorativos;
Bullying psicológico: exclusão social, manipulação, intimidação;
Cyberbullying: exposição pública, difamação ou perseguição online;
Bullying institucional: omissão ou conivência de figuras de autoridade frente à violência.
Cada modalidade produz efeitos distintos, mas todos compartilham um denominador comum: a desestruturação do senso de pertencimento e segurança do sujeito.
Bullying e suas consequências no cérebro: impactos estruturais e funcionais
As neurociências têm fornecido evidências robustas sobre os efeitos do bullying no desenvolvimento cerebral, especialmente durante a infância e adolescência, períodos críticos de neuroplasticidade.
Eixo HHA e estresse tóxico
O bullying crônico ativa de forma desregulada o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), levando à liberação constante de cortisol, o principal hormônio do estresse. Quando esse eixo é hiperestimulado de maneira prolongada, ocorre um fenômeno conhecido como estresse tóxico, com efeitos neurotóxicos documentados.
Essa ativação contínua compromete o amadurecimento funcional de estruturas-chave:
Amígdala: hiperativação associada ao aumento da reatividade emocional e do estado de alerta;
Hipocampo: redução volumétrica ligada a déficits de memória e consolidação do aprendizado;
Córtex pré-frontal dorsolateral: prejuízo no controle inibitório, julgamento moral e tomada de decisões.
Essas alterações são observadas em exames de neuroimagem funcional (fMRI) e morfológica (MRI), com destaque para estudos longitudinais em vítimas de bullying escolar (Teicher et al., 2018; McCrory et al., 2022).
Bullying e suas consequências na saúde mental: da infância à vida adulta
Transtornos associados à vivência de bullying
A literatura clínica mostra que o bullying está correlacionado ao aumento do risco para uma série de transtornos psicopatológicos:
Transtornos de ansiedade (especialmente fobia social e transtorno do pânico);
Transtornos depressivos recorrentes;
Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT);
Transtornos de personalidade (borderline, evitativa);
Transtornos do sono e somatizações (cefaléias, dores crônicas);
Transtornos alimentares (anorexia, bulimia, compulsão alimentar);
Etc.
Consequências internalizadas e externalizadas
Os efeitos do bullying podem se manifestar de maneira internalizada, como retraimento, autodepreciação, isolamento e ansiedade social, ou externalizada, como agressividade, impulsividade e comportamento de risco. Ambas as vias estão relacionadas à tentativa inconsciente do sujeito de reorganizar um mundo interno desestabilizado.
Consequências sociais e educacionais: bullying como fenômeno de exclusão
O bullying e suas consequências comprometem não apenas a saúde mental individual, mas também o desempenho acadêmico e a integração social.
Redução da autoestima e da autoeficácia acadêmica;
Evasão escolar e baixo rendimento;
Dificuldades de socialização e vinculação afetiva;
Estigmatização por parte de colegas e professores;
Sensação de insegurança no ambiente educacional.
Quando naturalizado, o bullying pode configurar uma violência institucionalizada, na qual a escola deixa de cumprir seu papel protetivo e formativo. Nesses casos, o trauma não é apenas relacional, mas também sistêmico (Olweus, 1993).
Efeitos do bullying na vida adulta: traços duradouros e sequelas psíquicas
Muitos adultos que viveram bullying durante a infância ou adolescência relatam, anos depois:
Dificuldades relacionais crônicas (evitação, dependência emocional, ciúmes patológicos);
Padrões de autossabotagem e sentimento de inadequação;
Dificuldade em assumir posições de liderança ou protagonismo;
Reprodução de padrões abusivos em relações afetivas ou profissionais;
Desenvolvimento de transtornos somatoformes, ansiedade crônica ou depressão refratária.
Essas marcas evidenciam que o bullying não é um episódio isolado do passado, mas um trauma potencialmente transgeracional, que pode afetar a forma como o sujeito se vê, se vincula e atua no mundo (Fonagy & Allison, 2014).
Caminhos para prevenção, cuidado e ressignificação
A complexidade do bullying e suas consequências exige abordagens integradas e multissetoriais. Algumas estratégias eficazes incluem:
Capacitação de educadores para identificar sinais precoces e intervir de forma ética;
Programas de mediação de conflitos e educação emocional nas escolas;
Promoção de ambientes afetivamente seguros e inclusivos;
Terapias baseadas em evidências, como a Hipnoterapia.
A hipnoterapia tem se mostrado especialmente eficaz no tratamento de traumas complexos, modulando o sistema nervoso autônomo, reduzindo sintomas de ansiedade e ampliando o acesso a recursos internos de resiliência. Utilizada de forma ética, com respaldo clínico e fundamentação científica, essa abordagem pode acelerar significativamente o processo de recuperação emocional (Barber, 2020; Hammond, 2010).
Conclusão: bullying e suas consequências não são invisíveis, são mensuráveis, tratáveis e evitáveis
O bullying não é um rito de passagem nem um simples desentendimento entre pares. É uma forma de violência que deixa marcas mensuráveis no cérebro, na psique e no corpo. Seus efeitos não desaparecem espontaneamente com o tempo, ao contrário, tendem a se cronificar quando ignorados. Compreender o bullying e suas consequências, à luz da ciência e da clínica, é o primeiro passo para romper o ciclo de dor e exclusão que ele perpetua.
Intervir precocemente, oferecer suporte psicológico qualificado e fomentar uma cultura de respeito são ações urgentes para que possamos transformar realidades adoecidas em trajetórias de saúde, dignidade e pertencimento. E, nesse caminho, a hipnoterapia clínica pode ser uma poderosa aliada na reestruturação emocional de quem sofreu, e ainda sofre, os efeitos silenciosos do bullying.
Referências
Barber, J. (2020). Hypnosis and Suggestion in the Treatment of Pain: A Clinical Guide. Routledge.
Fonagy, P., & Allison, E. (2014). The role of mentalizing and epistemic trust in the therapeutic relationship. Psychotherapy, 51(3), 372–380.
Hammond, D. C. (2010). Hypnosis in the treatment of anxiety- and stress-related disorders. Expert Review of Neurotherapeutics, 10(2), 263–273.
Klomek, A. B., Sourander, A., & Gould, M. (2015). The association of suicide and bullying in childhood to young adulthood: A review of cross-sectional and longitudinal research findings. The Canadian Journal of Psychiatry, 55(5), 282–288.
McCrory, E., Gerin, M. I., & Viding, E. (2022). Annual Research Review: Childhood maltreatment, latent vulnerability and the shift to preventative psychiatry – the contribution of functional brain imaging. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 63(5), 552–571.
Olweus, D. (1993). Bullying at school: What we know and what we can do. Wiley-Blackwell.
Teicher, M. H., Samson, J. A., Anderson, C. M., & Ohashi, K. (2018). The effects of childhood maltreatment on brain structure, function and connectivity. Nature Reviews Neuroscience, 17(10), 652–666.
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