Regressão terapêutica: o que a neurociência realmente diz sobre memória e cura emocional
- Pedro Ivo

- 16 de out.
- 4 min de leitura
A curiosidade humana e o fascínio pela regressão terapêutica
A ideia de acessar lembranças antigas, às vezes de eventos esquecidos, outras de supostas vidas passadas, desperta há décadas tanto curiosidade quanto controvérsia. A regressão terapêutica surge nesse cenário como uma prática que busca compreender e ressignificar experiências emocionais profundas, frequentemente ligadas a traumas, fobias ou padrões repetitivos.
Mas o que a neurociência da memória realmente tem a dizer sobre esse fenômeno? Estaríamos de fato acessando registros arquivados no cérebro, ou reconstruindo significados à luz do presente emocional? A resposta científica é ao mesmo tempo mais complexa, e mais fascinante, do que parece.
O que é regressão terapêutica sob a ótica clínica

Na prática terapêutica moderna, a regressão é entendida como uma técnica de revivência emocional. Por meio de estados ampliados de consciência, como o transe hipnótico, o indivíduo revisita experiências passadas com o objetivo de reinterpretá-las, reduzindo a carga afetiva negativa associada.
Importante destacar que, no contexto clínico e científico, não se trata de comprovar a existência de vidas anteriores, mas de acessar memórias simbólicas e emocionais que o inconsciente utiliza como metáforas de conflito. O valor terapêutico, portanto, não depende da veracidade histórica das imagens evocadas, mas da ressignificação subjetiva que ocorre no cérebro e no corpo emocional do paciente.
A neurociência da memória: por que lembrar é reconstruir
Durante décadas acreditou-se que o cérebro armazenava lembranças como gravações fixas. No entanto, a neurociência moderna mostra que a memória é reconstrutiva, e não reprodutiva. Cada lembrança é recriada no momento em que é evocada, a partir de uma complexa integração entre hipocampo, amígdala e córtex pré-frontal.
Isso significa que lembrar é reinterpretar. O cérebro combina fragmentos de experiência, emoção e contexto atual, formando um novo traço mnêmico, o que explica por que lembranças podem mudar com o tempo.
Em terapias regressivas, o que se acessa não é um “arquivo original”, mas uma reconstrução emocional baseada em traços implícitos e simbólicos. A mente, em estado hipnótico, reorganiza essas informações para gerar novas associações e significados, um processo que a ciência chama de reconsolidação de memória.
O cérebro em transe: o que a ciência observa

Pesquisas de neuroimagem têm revelado aspectos interessantes do transe hipnótico. Durante o estado de hipnose, observa-se uma redução na atividade do córtex cingulado anterior e do córtex pré-frontal dorsolateral, áreas relacionadas ao controle cognitivo e à autocrítica. Ao mesmo tempo, há maior conectividade entre estruturas límbicas e sensoriais, permitindo uma imersão mais intensa em imagens e emoções internas.
Em outras palavras, o cérebro sob hipnose suspende o filtro racional e amplia o acesso às representações simbólicas inconscientes. Essa plasticidade momentânea cria um ambiente propício à ressignificação emocional, pois a mente pode reviver uma lembrança com novos recursos afetivos, transformando a resposta fisiológica associada.
Reprocessamento e cura: a reconsolidação da memória emocional
Estudos sobre reconsolidação de memória demonstram que, quando uma lembrança é reativada em um estado emocional seguro, ela pode ser atualizada antes de ser armazenada novamente. Isso tem implicações diretas para a terapia.
Durante a regressão terapêutica, o cliente revive uma experiência significativa (real ou simbólica) em um estado de segurança emocional. O sistema nervoso, ao perceber que o evento não representa mais perigo, modifica a resposta emocional associada. Trata-se de um fenômeno neurobiológico real, estudado em modelos de trauma e medo condicionado.
Assim, a regressão terapêutica pode ser compreendida como um processo de reprocessamento emocional, sustentado pela neuroplasticidade, a capacidade do cérebro de se reorganizar em função da experiência.
Entre mito e evidência: o que não é regressão terapêutica
Embora a prática tenha origem em contextos espiritualistas, sua aplicação clínica moderna não depende de crenças metafísicas. O foco está em acessar representações internas de conflito, independentemente de sua origem literal.
A neurociência, até o momento, não comprova a existência de memórias de vidas passadas, mas reconhece que o cérebro é capaz de gerar narrativas simbólicas com forte valor emocional. Essas narrativas, mesmo sem correspondência factual, podem funcionar como pontes terapêuticas para conteúdos inconscientes.
Obviamente, que aqui não se trata de afirmar a existência ou não de vidas passadas, mas, sim, distinguir entre regressão terapêutica baseada em evidência e abordagens que prometem “provas espirituais”. A ética clínica exige que o terapeuta conduza o processo com neutralidade, focando no resultado emocional, e não na origem suposta das lembranças.
A neurociência e o sentido da experiência humana
A regressão terapêutica, sob a luz da neurociência, não é um mergulho em arquivos ocultos do passado, mas um diálogo entre emoção, memória e significado. Cada cena acessada simboliza uma tentativa do cérebro de dar forma àquilo que precisa ser compreendido e integrado.
Ao revisitar experiências internas, o indivíduo reorganiza circuitos neurais, modifica respostas fisiológicas e cria novas vias de interpretação. Em termos neurobiológicos, cura emocional é sinônimo de reconexão entre o córtex e o sistema límbico, entre razão e emoção.
A ciência, portanto, não desqualifica a regressão terapêutica, ela a redefine: de um mistério metafísico para um processo de reestruturação da mente emocional.
Conclusão
A regressão terapêutica, quando conduzida por profissionais qualificados, representa uma poderosa ferramenta de autoconhecimento e ressignificação. A neurociência ajuda a compreender o que está por trás do fenômeno: a plasticidade cerebral, a reconstrução de memórias e o poder transformador da segurança emocional.
No Instituto PIH, a regressão é abordada dentro de um modelo científico e ético, em que a hipnoterapia atua como ponte entre a experiência subjetiva e os mecanismos objetivos da mente.
Em última análise, a regressão terapêutica não é sobre o passado, mas sobre libertar o presente das amarras emocionais que o condicionam. A verdadeira transformação ocorre quando o cérebro, em segurança, descobre que pode sentir diferente e, portanto, viver diferente.








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